terça-feira, 12 de agosto de 2014

Palco de Feiras! - "Uma mesa é uma mesa", de Piter Bichsel, virou: "O Homem Cinza"

Desenho de figurino feito por Mariana Gomes para o personagem
O Homem Cinza

Traduzido e adaptado do texto Uma mesa é uma mesa, de Piter Bichsel.

Tatiana: - QUERO FALAR DE UM HOMEM VELHO, de um homem que não diz mais nenhuma palavra, que tem um rosto muito cansado, cansado demais para sorrir e cansado demais para se zangar. Ele mora em uma cidade pequena, no fi
m da rua ou perto do cruzamento. Quase não vale a pena descrevê-lo, não há nada que o diferencie dos outros. Ele veste um chapéu cinza, calças cinza, uma jaqueta cinza e, no inverno, o longo casaco cinza e tem um pescoço fino, cuja pele é seca e enrugada, os colarinhos brancos das camisas lhe são largos demais. 

Lumilan: - No andar mais alto da casa ele tem um quarto, talvez ele tivesse sido casado e tido filhos, talvez ele morasse antigamente em outra cidade. Certamente ele já foi uma criança, mas isso foi em um tempo em que as crianças eram vestidas como adultos. Pode-se ver isso no álbum de retratos de sua avó. No seu quarto há duas cadeiras, uma mesa, um tapete, uma cama e um armário. Ao lado da cama há uma mesinha e em cima da mesinha um despertador e na parede estão pendurados um espelho e um retrato. O homem velho fazia todas as manhãs um passeio e todas as tardes um passeio, trocava algumas palavras com seu vizinho, e todas as noites ele se sentava à sua mesa. Isso nunca mudou, também aos domingos era assim. E quando o homem se sentava à mesa, ouvia o tique-taque do despertador, sempre o tique-taque do despertador. 

Tatiana: - Então houve um dia especial, um dia com sol, não muito quente, não muito frio, com a cantoria de pássaros, com pessoas amigáveis, com crianças, que brincavam, e o especial foi que tudo de repente agradou ao homem. E Ele sorriu. 

Lumilan: (Sorri) - Agora tudo vai mudar.

Tatiana: - Ele desabotoou o primeiro botão da camisa, tomou seu chapéu na mão, apressou seu passo, até mesmo brincou com os joelhos e se alegrou. Ele chegou à sua rua, acenou para as crianças, entrou na sua casa, abriu seu quarto. Mas no quarto estava tudo do mesmo jeito, uma mesa, duas cadeiras, uma cama. 

Lumilan: - E, ao se sentar, ele ouviu o tique-taque e toda a sua alegria foi embora, porque nada havia mudado. Então o homem foi tomado por uma grande fúria. Ele viu no espelho seu rosto ficando vermelho, viu como ele es- premia seus olhos, então ele fechou suas mãos em punhos, levantou-as e bateu com elas no tampo da mesa, primeiro apenas uma pancada, depois outra, e depois começou a bater e gritar repetidamente: 

Tatiana: - “Isso tem que mudar, isso tem que mudar!”

Lumilan: - E ele não ouviu mais o despertador. Suas mãos começaram a doer, sua voz fraquejou, e ele então ouviu o despertador novamente, e nada mudou. 

Tatiana: - “Sempre a mesma mesa”, as mesmas cadeiras, a cama, o retrato. E para a mesa eu digo mesa, para o retrato eu digo retrato, a cama se chama cama, e a cadeira  chamam de cadeira. Mas por quê?” 

Lumilan: - Os franceses chamam a cama de “li”, a mesa de “table”, o retrato de “tablô” e a cadeira de “chéze”, 

Tatiana: - E eles se entendem. 

Lumilan: - E os chineses também se entendem. 

Tatiana: - “Por que não chamar a cama de retrato”,

Lumilan: - Plim! Então ele riu, e riu, até que o vizinho bateu na parede e gritou “quieto”! (Pondo o casaco) “Agora tudo vai mudar”.

Tatiana: - Chamou a partir de então a cama de “retrato”. 

Lumilan: - “Estou cansado, vou deitar no retrato!”, 

Tatiana: - E todas as manhãs ele costuma ficar bastante tempo deitado no retrato e pensou como ele queria chamar a cadeira, e ele chamou a cadeira de... 

Lumilan: - “Despertador”. Mas a mesa agora não se chamava mais mesa, ela se chamava tapete. De manhã o homem saía do retrato, se vestia, sentava- -se ao tapete no despertador e pensava, como ele poderia chamar as coisas. 

Tatiana: - A cama ele chamou de retrato. A mesa ele chamou de tapete.

Lumilan: - A cadeira ele chamou de despertador. O espelho ele chamou de cadeira.

Tatiana: - O despertador ele chamou de álbum de retratos. O armário ele chamou de cama.

Lumilan: - O tapete ele chamou de armário. O retrato ele chamou de mesa.

Tatiana: - E o álbum de retratos ele chamou de espelho.

Lumi e Tati: - Agora vocês podem continuar escrevendo a história. E então podem, assim como o homem fez, também trocar as palavras: 
TOCAR se chama PISAR:
GELAR se chama VER, 
FICAR se chama TOCAR,
LEVANTAR se chama GELAR, 
PISAR se chama ABRIR.

Tatiana: - Desse modo ele dizia então: de homem o velho pé tocava bastante tempo no retrato, às nove pisava no álbum de retratos, o pé gelava,  para que a manhã não visse.

Lumilan: - O velho homem comprou para si cadernos escolares azuis e lotou- -os de novas palavras, e então tinha muito o que fazer, e ele só era visto raramente na rua. 

Tatiana: - Então ele estudou novas denominações para todas as palavras e esqueceu cada vez mais as palavras certas. Ele tinha um novo idioma, que pertencia apenas a ele. 

Lumilan: - De vez em quando ele já sonhava no novo idioma, e então ele traduzia canções da sua 
época de escola para o seu idioma, e ele as cantava baixinho para si mesmo. (- Soltei a perna no chaPÉU, mas o chaPÉU, não viVEU, Doutura ChiCA, cuspiu-SE, da piscada, da piscada que o chapéu fez)

Tatiana: - Mas em pouco tempo a tradução já era difícil para ele, ele havia praticamente esquecido seu idioma antigo, e ele precisava procurar as palavras certas nos seus cadernos azuis. E ele ficou com medo de falar com as pessoas. Ele precisava pensar bastante, como que as pessoas chamavam as coisas. 

Lumilan: - Seu retrato as pessoas chamam de cama. Seu tapete as pessoas chamam de mesa. 

Tatiana: - Seu despertador as pessoas chamam de cadeira. Sua cama as pessoas chamam de armário. 

Lumilan: - E isso chegou a tal ponto, que o homem ria, quando ele ouvia as pessoas conversarem. Ele ria, quando alguém dizia: “Você também vai amanhã no jogo de futebol?” ou quando alguém dizia: “Agora já está chovendo há dois meses” ou quando alguém dizia: “Eu tenho um tio que trabalha na feira do Simões.” 

Tatiana: - Ele ria, porque ele não entendia nada disso tudo. Mas esta não é uma história divertida. Ela começou triste e vai terminar triste. O homem velho com o casaco cinza não conseguia mais entender as pessoas, isso não era tão ruim. Muito pior era, que as pessoas não conseguiam mais entendê-lo. 
E, portanto, ele não fala mais nada. Ele se calou.

Fim

Post por Lumilan Noda

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