domingo, 3 de fevereiro de 2013

A palavra engolida: um estímulo à ação performática


"Palavras que merecem naturalmente seguir o fluxo da expressão, mas que, por alguma circunstância desconhecida, acham um jeito de se esconder."

Naquela tarde eu e a Tatiana já sabíamos, em parte, os exercícios que iríamos nos submeter no palco do Teatro do COP, pois, uma semana antes, na minha casa, conversamos e os definimos: falar por 30 minutos seria um dos jogos principais. E assim foi, iniciamos caminhando pelo espaço de jogo, nos percebendo e percebendo o espaço como um todo, sentindo as tábuas nos pés e os pés nas tábuas, os diferentes sons que os pés pisando nas tábuas causavam, os rasantes baixos que os morcegos davam em nós e, o mais importante, nos mantemos olhando nos olhos um do outro, durante todos os instantes em que isso fosse possível. 

Ativamos o despertador para soar quando dessem 30 minutos e começamos com aquela tarefa aparentemente simples e cotidiana para muitas pessoas: falar! Os assuntos aconteceram aleatórios, pelo menos pra mim, porque a preocupação maior (já que era regra do nosso jogo) se mantinha em falar sem parar, "o quê", não importava. Eu não fazia ideia do que a Tati falava porque minha concentração estava em ter o que dizer. Por vezes, o meu assunto parecia que estava acabando, e, não sabendo sobre o que eu falaria depois, usei exatamente isso como fala, o que desencadeou mais e mais assunto, assim, espontaneamente.

Em certo momento, já estávamos tão habituados àquela experiência que conseguimos um entrar no assunto do outro. Podíamos com eficácia compreender um o que o outro dizia sem que, para isso, precisássemos nos silenciar. A Tati sem interromper o jogo me convidou para dar a volta na quadra e o fizemos: além de dialogar entre nós, observamos o estranhamento óbvio das pessoas que cruzavam por nós e comentamos isso verbalmente. Falei tanta coisa, até coisas que, em momentos da minha vida, queria ter falado, julguei muitíssimo importante ter dito e, por conta de alguma coisa - talvez até timidez - não falei.

Este processo também me faz questionar isso: quantas coisas essenciais, em vez de dizer, as pessoas não "engolem" por recear as reações do ouvinte. Penso nas expressões artísticas (principalmente música, pintura e teatro) que já falaram tantas coisas por mim e como isso me deixou mais aliviado, de certa forma. Ou quando eu dirigi Fim de Partida, de Beckett, em Encenação I, o quanto os atores expressaram bem o modo como eu, às vezes, sinto a vida.

Eu torço pra que esse processo de criação cênica ao qual eu e a Tati estamos nos inserindo agora, ao chegar no seu produto final, possa não apenas falar por mim e por ela, mas principalmente por todos aqueles que, alguma vez na vida, já passaram por isso. E assim, como toda pesquisa teatral, por intermédio de nossa sincera entrega vem se constituindo um novo material de trabalho, cada vez mais consistente e a cada encontro mais fluidamente. Poderá gerar um ato performático (se é que o próprio exercício já não foi) ou uma cena, ou cenas em que a performance, na sua essência e característica, esteja presente.

Lumilan Noda Vieira

2 comentários:

  1. È um privilegio esta dividindo esse momento de pesquisa e entrega contigo. Estou trocando muito com esse teu jeito sensível e engraçado de ser.
    Evoéeee e Merdaaaa

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    1. Tati, que bom ler isso! Também gosto muito da nossa troca. A nossa apropriação, que é sempre tão cheia de símbolos, é algo que dá vontade de continuar fazendo sempre.

      Valeu!!! evoéééé e quebremos a perna!!

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